20 de mar. de 2014

Vento em Gaiolas

Faz tempo que não olho para o vento. Quando criança, pensava que vento eram as nuvens, mas logo descobri como agarrar o vento. Fácil, mas dramático.
Sempre que olhava para os pássaros imaginava que voavam como vento, logo, um pássaro seria vento.
Ainda criança, um dia, ao passar em uma loja de produtos agrícolas, observei que haviam gaiolas, muitas gaiolas com pássaros. Fiquei a pensar o quanto do vento estava ali preso.
Na minha concepção inocente aquilo era roubo!
Entrei sorrateiramente por uma das portas e fui postar-me junto a uma gaiolinha, onde um pássaro, miudinho com penugens branquinhas, cantava, e pensei: ora, quem foi que disse que o pássaro preso canta? Quem entende da linguagem de passarinho? Será que o vendedor da loja tinha certeza que ele cantava? Não. Mais tarde descobri que o canto do pássaro na gaiola não é melodia, é choro. Mas vamos ao tempo.
Ali estava o nadinha de vento que deveria estar solto. Ufa! Eu olhava para ele e me parecia ficar sem ar. Abri a gaiola e foi-se o ventinho, e ele voou e voou até eu sentir a lufada  com cheiro de penas; senti também um belo puxão de orelha, doeu só a orelha, meu coração estava feliz. Saí correndo. Eu havia liberto um pouco de vento.
Fui crescendo e os ventos quase ficaram insignificantes, pois de repente não eram mais pássaros, e sim, o tempo.
Dói-me a alma quando lembro de todos os pássaros presos, de quanto vento eu podia ter doado para o tempo.
Hoje o vento não me atrapalha se ele vem sem tempo, mas quando traz o tempo... Ah, aí sim, sonho em aprisioná-lo em gaiolas, e ser má, e dizer a ele que não cante, nem chore, que é preciso ficar parado uns instantes para eu poder contar os pássaros.
Ainda preciso decifrar as nuvens. Agora que cresci, só sinto o tempo, o vento vem quando chove. Gaiolas e pássaros continuam a existir.
Agora luto para extrair a calmaria das nuvens porque se me faltam pássaros, o tempo escorre das gaiolas que outrora aprisionavam o vento.