Faz tempo
que não olho para o vento. Quando criança, pensava que vento eram as nuvens,
mas logo descobri como agarrar o vento. Fácil, mas dramático.
Sempre
que olhava para os pássaros imaginava que voavam como vento, logo, um pássaro seria
vento.
Ainda
criança, um dia, ao passar em uma loja de produtos agrícolas, observei que haviam
gaiolas, muitas gaiolas com pássaros. Fiquei a pensar o quanto do vento estava
ali preso.
Na minha
concepção inocente aquilo era roubo!
Entrei
sorrateiramente por uma das portas e fui postar-me junto a uma gaiolinha, onde
um pássaro, miudinho com penugens branquinhas, cantava, e pensei: ora, quem foi
que disse que o pássaro preso canta? Quem entende da linguagem de passarinho?
Será que o vendedor da loja tinha certeza que ele cantava? Não. Mais tarde
descobri que o canto do pássaro na gaiola não é melodia, é choro. Mas vamos ao
tempo.
Ali
estava o nadinha de vento que deveria estar solto. Ufa! Eu olhava para ele e me
parecia ficar sem ar. Abri a gaiola e foi-se o ventinho, e ele voou e voou até
eu sentir a lufada com cheiro de penas;
senti também um belo puxão de orelha, doeu só a orelha, meu coração estava
feliz. Saí correndo. Eu havia liberto um pouco de vento.
Fui
crescendo e os ventos quase ficaram insignificantes, pois de repente não eram
mais pássaros, e sim, o tempo.
Dói-me a
alma quando lembro de todos os pássaros presos, de quanto vento eu podia ter
doado para o tempo.
Hoje o
vento não me atrapalha se ele vem sem tempo, mas quando traz o tempo... Ah, aí
sim, sonho em aprisioná-lo em gaiolas, e ser má, e dizer a ele que não cante,
nem chore, que é preciso ficar parado uns instantes para eu poder contar os
pássaros.
Ainda
preciso decifrar as nuvens. Agora que cresci, só sinto o tempo, o vento vem
quando chove. Gaiolas e pássaros continuam a existir.
Agora
luto para extrair a calmaria das nuvens porque se me faltam pássaros, o tempo
escorre das gaiolas que outrora aprisionavam o vento.