A fome é uma aberração que não cabe na escrita, não pertence e nenhum
editorial, mas fica estampada mais nos olhos que na barriga.
A fonte é o faminto, a
dor é a constatação.
Fui tomada de surpresa
ao passar por um contêiner de lixo, quando me pareceu ter visto algo de filmes
de ficção científica, que em minha opinião, quem escreve estes filmes é
visionário dentro de uma lógica. Algo sempre dá certo.
Havia uma pessoa com
metade do corpo dentro do contêiner alimentando-se literalmente, ali com
certeza não era alimento fresquinho, mas ele comia.
Ali ele digeria o casco duro dos impostos, aquilo que sobra do que
pagamos aos que são mais experientes no furto.
Ele, o mendigo, não desembolsa um vintém, e alimenta-se de graça, sem
horário, sem gravata...
Nunca soube o que se passa na cabeça de um verdugo, quando fazia a
guilhotina cair no pescoço de um desgraçado, mas sinto o que vai na minha.
Sinto-me um verdugo a decapitar minhas forças, toda vez que não grito e peço
socorro aos que têm fome.
Se a ‘bendita’
inquisição calou aos que tinham uma palavra certa, uma mão de caridade, uma
erva de cura...Então malditos hoje, os que dela não fazem mais uso!
Quantas fogueiras
teríamos que fazer! Não haveria mais florestas, e há muito nosso planeta seria
cinzas, tal a imaginação fértil de nossos grandes homens que sobem ao topo para
nos guiar.
Ora, pobres, pedintes, dirão, sempre houve, sempre haverá. Ora, homens
de pouca ética, pouco amor próprio, foram os primeiros a ficar à margem de si
mesmos. Como guiar um cego se o que enxerga não encontra o próprio caminho?
Os que ‘enxergam’, não veem além de suas mesas, depois de fartos, as
sobras vão para os que sobram, e estes são feitos da mesma matéria, só lhes
falta o que o poder retém, a caridade. Esta, uma sutil sabedoria que está na
memória de toda humanidade, conhecida de todos os povos, dita e descrita de
várias maneiras, que quer dizer tão somente ‘amai o próximo como ti mesmo’,
Cristo a pronunciou desta forma segundo a Bíblia (Novo Testamento).
Então, eu soube que alimentar-se num contêiner não é pior do que ser
cego, ou mutilado em sua consciência, porque estes jamais estarão alimentados,
e na verdade, só os que governam têm fome. Seria esta a explicação para a
humanidade que se degrada dia após dia?