30 de jun. de 2014

NAVEGAR

Difícil será navegar com velas rotas
Numa nau sobre um mar confuso
Até as águas dividem-se
Sob a égide das infrações
De um tempo difuso

O deserto não estaria tão longe e árido
Se os pensamentos plantassem doces refrigérios
Nem a Terra mover-se-ia
Quando os medos do mundo
Não acolhessem mistérios

Navega-se a alma sonhando com os portos
Na certeza de que até o medo seja alado
E um dia as águas unir-se-ão
Com vagar numa âncora sinaleira
Viverá a fé em qualquer lado

Da proa à popa deste Universo infinito
Nada faz findar a esperança
Mesmo que uma nau seja triste
Navegará sobre a água seu caminho
Vivendo a vida com os pés de criança.


29 de jun. de 2014

UM DIA SANHAÇO


O sol foi sumindo, caindo...
Parecia que iria logo ali
Foi escondendo o dia
Queria saber para onde
O dia foi jogado
Neste mundo redondo
Repleto de quadrados fugindo

E as estrelas piscando, rodando...
Devem ser todas tontas
Pois vão embrulhando a noite
Sei lá de que jeito
Pobre noite toda amassada!
Vai acordar em desespero
Ao ver os pássaros já voando

Quem trouxe o dia? Sei lá, a nostalgia...
Chegou azul, lambuzada de orvalho
Com a face já rosada
E uma ansiedade neblina
Nos braços traz bons ventos
Num andar sanhaço de esperança
Deixou em minha porta uma semente de magia.

28 de jun. de 2014

FIGURAS DE VIDA

Quando o vento pergunta à vida
se não é por acaso,
que é assim tão exibida
lasciva, e repleta de nascimento.

Quanto à tormenta, é mais agressiva,
encontra perguntas na tragédia,
quer saber se não é uma diva,
que para o amor a dor ostenta.

Quando a brisa questiona o tema,
se faz suave, mas fingida,
para ela tudo cheira a alfazema,
até a mortalha pode ser uma poetisa.

Ah, a tempestade carrega a vida,
interpela aos lamentos,
pois quer ser bem acolhida.
Tira-lhe a esperança, mas lhe tem amizade.

E todo ar que sai da boca da vida,
já é matéria e discernimento,
Jamais nos quis de alma ferida,
mas nossos medos acariciar.

27 de jun. de 2014

NO HORIZONTE

Não há verdades meio contadas,
nem um dia que não seja bom dia.
Há sim, um pouco de quem quer ficar só
em meio a um caos de insanidades.
Existe uma razão,
que não tem idade.
Só saudade.

Não está vedado o tempo ao apressado,
posto que a noite chega sem ruídos.
Há uma incerteza no leito do que adormece,
que sonha um sonho abandonado.
Oculta um coração inquieto
no meio da vida,
sem estar de partida.

E é assim que as estações chegam e voltam,
contando mentiras pela metade,
pois omitem a realidade do frio que a flor sente.
Viver e morrer seriam só emoções,
não fossem tantos medos,
que vêm do horizonte,
e sempre da mesma fonte...


25 de jun. de 2014

SOB A LUZ

Sou um sim desapegado
Um 'sim' que não encontro
Naquilo que causa o espanto
Nem afirmo que nego
As muitas dúvidas
Então penso que tudo é não
Daquilo que penso crer
No destino já alegado

Se muito andar digo assim:
Ouça a água que enxerga longe
Ouça os olhos da sabedoria
Porque muita palavra é dúvida
Penso que ainda existo
Logo ali, perto da fonte
Onde há grande espaço
Entre todos e mim

Não penso que existo sem fim
Em tudo que encontro
Deve ser catástrofe acreditar
Que a luz tem acendedor automático
Também não julgo as mariposas
Por arderem numa vela
Pensando que já alcançaram o paraíso
E de repente, o inferno é assim.

22 de jun. de 2014

AS ÁRVORES



As árvores, as grandes árvores, com seus lenhos duros, firmes e tão solitárias, parece-nos que não vivem...E o homem cá embaixo olha para cima e se pergunta: será que só elas falam com Deus?
            A pequenez de uma vida, que se alastra por anos e anos, não alcança jamais a magnitude da árvore, porque a árvore decrépita, antiga, idosa...Será sábia sempre. Sua descendência nasce sábia, cresce para o sol e vigora como exemplo. Assim nos parece.
            Há o espaço para o homem onde ele vive e deve demonstrá-lo, assim, como a vida, até seu último ato, até cumprir sua última tarefa, tal um engenheiro, que laboriosamente mede em cálculos suas metas.
            Que não seja a desculpa ou a pior saída, para se fugir do que nos é dado, do que nos é devido, atribuições que conhecemos, mas oculta-se através de omissões. E após ditoso tempo, dedicar-se tão somente a mirar o topo das árvores, mas também saber olhar para baixo e ainda ter a capacidade de orientar a pequenina raiz que nos escapuliu do plano. As árvores, já não podem fazer isto.
            Desde o início fomos tudo, além de planos e devaneios. Engenheiros verdadeiros, o tempo nem era pouco, nem era apreciado. Era uma aragem, só contava, mas agora ele nos carrega, e nos deixa sem ferramentas, e a decrepitude nua nos faz ver senilidade em tudo. Parvo desafio! E a árvore está lá imponente. Será melhor que nós? Não, por certo. Há uma diferença, e até uma distância, ela mora com a inércia, não saí de seu ‘habitat’. Nós temos o poder da locomoção e andaremos com a dignidade que armazenamos através da experiência agarrada a consciência, será o momento de despejar o que vivemos, esbanjando sabedoria nas mãos da sinceridade e até com uma certa inocência, porque é assim que nascemos.
Mas foi preciso muito lamento para se saber algo, e pouco se aprendeu. Agora, num canto desta existência, existe uma construção, é necessário mostrá-la, porque do lado de fora ela pouco significa, mas do lado dentro existe muito conforto...É o lar de nosso Eu, que jamais esconderá o porvir. Passando por um árduo desafio não foi notada a presença do tempo, que se esvaia e pedia calma, foi sufocando e suplicando paciência para se preparar boa terra, semear fortes sementes, para colher frutos sadios; nem todos os frutos nasceram sãos, assim como não houve tanto preparo da terra. E o tempo sempre nos alcançou mesmo assim; bastava olhar para trás e via-se muito passado, era só descerrar o véu da vaidade. Este véu é pesado, sempre será.
É um engenheiro esse tempo! Seu manual só tem duas páginas, uma que inicia e uma que termina. A que inicia já foi decorada, a que termina está sendo ainda estudada, um tanto complexa, mas está em boas mãos. Mãos que ainda vem e sentem a distância próxima, porém, ainda é possível moldar a forma da existência e deixar para as pequenas raízes uma trilha, uma pista de um bom néctar e de uma visão mais sincera e autêntica.
As árvores sempre olharão para o sol, mas nós podemos olhar para o Universo, e mesmo assim, só olhar, porque possuí-lo, só bem perto de Deus.

20 de jun. de 2014

LADEIRA


Quantas vezes o tempo sobe trôpego
a ladeira de uma vida!
E são tantas as subidas
quem nem o vento,
a dúvida e a morte
carrega o que sustento.

Se a alma é invento, quão correta é sua jornada,
neste tropel de esperanças!
Um querer por inteiro
sem nenhum invento.
Nem sonhar é obrigação,
mas em mim é todo incremento

Nem sempre a morte cerra os olhos da eternidade,
quando aqui adormece a vida
na calada da ilusão,
nem se compra argumento,
para tanta omissão
deste meu tempo avarento.

Sobe suarento este dia que entorna a noite,
esparramando ladeira abaixo
tanta porta fechada!
Sem nenhum aposento,
para guardar tanta imaginação
no fundo do  meu sonho atento.

19 de jun. de 2014

RUELA


Passava eu com meus trastes penhorados
Ocultando-me do que 'nãoseioquefazia'
Numa ruela tosca e definhada
Como viajante do entardecer
A lamentar tempos ignorados
Sob uma casaca abrutalhada

Parco e lodoso este meu desalinhado tédio
Tão sagaz que faz-me questionar as  iras
Esta felonia que dita vida
Num sentido revoltado
Já nem sei se sonho por assédio
Sei que minh’alma vagueia dorida

Em fim, passava eu como esperançado viajante
Dosando pecados mal cometidos sem duvidar
Em vão domar o destino teimoso
Fitei todas as quimeras de esperança
Nesta ruela, deito ou sigo adiante...?
Sigo, meu pensamento é ruidoso.

17 de jun. de 2014

FELICIDADE


Felicidade possui o tom de um dia encantador
Mesmo que a chuva caia toda desequilibrada
E a neblina encubra os olhos do sol
A felicidade ainda é um pote de doces destampado
Ao alcance até de um usurpador

Ah, podes chorar, podes fingir, a felicidade nunca se esconde
É um punhado de aves que voam no céu da boca
Vais rir de tanta cócega, ou teu coração vai endoidar
Porque a alegria está cheia de parentes desvairados
Doidos e risonhos, ainda numa estação esperando um bonde

Quem vive vai aprender que os dias estão vivos
Que o sorriso de um animal é um ornamento da felicidade
Se vestes o preto, é porque conheces as cores dos astros
Mas se o branco te encanta, é porque te ilumina
Se o colorido te enfeita a alma, é porque estás acontecendo

A melhor notícia não chega num envelope lacrado
É tudo aquilo que espera qual um sorriso de criança
Nem todas falam verdades para teu tempo
Mas todas estão sendo esperadas com as mãos em preces
A felicidade é ínfima e garbosa, não conhece malícia.


15 de jun. de 2014

ALGUNS SONHAM


Vou tentar fazer armadilhas para os sonhos
Tente também
Mesmo se não os tem
Apanha-os ainda jovens
Antes que o tempo os alimente em demasia
Pois obesos e lentos
Não obedecem a ninguém

Os sonhos não cantam igual aos pássaros
Prenda-os com o coração
Verás, é em vão
É temerosa sua hierarquia
Nunca repousam, e jamais ficam ocultos
Tente dar-lhe guarida no cinismo
E não conhecerás nem o perdão

Dito isto, ou aquilo de todos os outros e noutros
É conflitar-se em demasia
Parca fantasia
Tentar aprisionar um punhado de sonhos
Ora, tente com a audácia
Mesmo que o medo te roube a chave
E a impetuosidade te leve a afasia

Não há verbo que se conjugue fora do tempo
Tenha paciência
Para com teus devaneios sem audiência
Sonhos não são conselhos
São partes descabidas de uma vontade torta
Que nem o Universo consegue deter
Pois seu ninho favorito é a aparência.

14 de jun. de 2014

VIDA DO TEMPO

A sombra foi andando com medo do tempo
Quanto mais andava
Mais endoidava
E o tempo ridículo, ria deste incremento
É que a vida não foge com disfarces.
Nem vai ficar como alento

A face que reflete no espelho da parede
Não vai deixar a verdade emitida
É mentira invertida
Mesmo que o universo segrede
Para a sombra, vida ou toda esperança
A realidade ri-se assim, adrede...

Lança-se as mãos para um céu colorido
Das nuvens fazer moradas
Brancas e enxaguadas
Como uma casa com telhado indefinido
A espera que o tempo a proteja
De um sonho bem antigo e já corroído

Ah, mas a vida não possui tempo para sobras
Nem o tempo para esperas
Ora, deveras
Por mais que se sejam concluídas  as obras
De uma existência de idas e voltas
Será a consciência infinita cheia de dobras.




12 de jun. de 2014

UÍSQUE E GUARDA-CHUVA

Roseli, dona de casa aposentada, só porque recebe o tal mínimo no fim do mês, porque de aposentada, a pobre não tem nem paz.
Germano, maridão que ela trata por ‘filho’, aposentado de fato, fazia nada mesmo.
- Rose, se vai sair compra o uísque “Fulano de Tal”, pediu Germano.
Germano, no inverno, costumava escaldar a vontade para enfrentar o banho com o tal uísque, e como ele era aposentado da melhor estirpe, o líquido tinha que chegar a ele e não ele ao dito, logo, mandava comprar.
- Filho, porque não bebe uma cachacinha? Tem aí, uísque é tão caro, tem gente bem mais ‘graúda’ que tu, e bebe cachaça...
- Cachaça é para bêbados, eu sou elegante, dizia Germano.
Rose ajeita a bolsa no ombro e vai saindo.
- Ah! E compra um guarda-chuva também.
A cabecinha de Rosa naquele dia estava um tanto cansada, mas achou até engraçado o pedido, coisa sem combinação, pensou ela, uísque e um guarda-chuva! Porém, chovia, coisa normal, ele perdia todos mesmo, vá lá, outro, então.
Roseli era da pesquisa de mercado, economista contumaz, se era para comprar algo, tinha que haver pesquisa de preço, e não iria andar à toa, tinha que pechinchar, houvesse ou não a compra.
Ao cabo de uma hora de ‘leros’ e ‘que ladroeira’, ‘caloteiro’, ‘atravessador’, ela comprou o guarda-chuva com uma diferença de 30% em relação aos outros mercados.
Começava a chover novamente.
- Não embrulha, já vou estrear, e se afrouxar... Me dê a nota, por favor.
Ela se fazia autoritária.
- Que cara de pau a minha, pesquisando preço de uísque, em que lodo me meti!!! Só tem homens aqui nestas prateleiras de alcoólicos, meu Deus, esse cara me olha como se eu tivesse conhecimento de marcas. Mas está um absurdo!! Por que não um vermutezinho?
O guarda-chuva já estava bem encharcado, mas não afrouxou; ela partiu para outra loja.
- Que humilhação! Aquela mulher me olha como se eu fosse uma cafetina. A mula que é o Germano vai ouvir! Aqui é um assalto.
Duas quadras adiante há uma loja que parecia mais discreta. A chuva havia cessado e Rose fechou o guarda-chuva com todo amor e desvelo e pendurou no braço.
O dito guarda-chuva não era dos menores, posto que Rose fosse tipo mignon, ficava bem destacado em seu braço.
- Finalmente o uísque “Fulano de Tal”, está num preço mais tragável, mas a cara de furor uterino que aquela velha me direcionou vou cobrar do Germano, esse desmiolado, inconsequente. Que estúpida sou!!!!
A bem da verdade, mercados “baratuska”, como diria o Manolito – personagem das tiras de Quino – estão sempre apinhados de gente.
Roseli vai para a fila do caixa, já no lusco-fusco do dia, toda apressada, depois de passar por numerosos pensamentos de pornôs cinematográficos por parte do alheio, a pobre esquece-se de colocar a mercadoria no cestinho, enfia o litro debaixo do braço na companhia do guarda-chuva.
Fila engrossando, canseira, trocando de pés. Nestas alturas ela já era amante até do empilhador de caixas do mercado, tal sua situação grotesca e posicionamento na fila.
A fila vai andando, un passito más, dos... E de repente, num desvão do piso ela perde o equilíbrio e vira um pé, quase rodopia, e bem ali, na cara do mundo. Ela, o guarda-chuva e o já maldito uísque! Numa dança desengonçada. Mas não caiu, foi o suficiente para ser reprovada no teste de dama.
- Além de vaca, é bêbada.
Teve que ouvir mais isso saído da boca de uma senhora, que, diga-se de passagem, parecia uma garrafa pet de catador de lixo, de tão reciclada.
Aquilo para Rose foi o fim.
Pagou e foi embora.
Seguiu para casa em suas maldições domésticas.
- Vou te amaldiçoar até a oitava geração, asno! Lembra quando te falei da cachaça? Pois olha, agora a tua elegância se chama ‘chifres’, porque aquele ‘graúdo’ que bebe cachaça continua bêbado, pelo menos.
Ela foi dormir no sótão.
Germano ficou parado no meio da sala como um peão insignificante num tabuleiro de xadrez. Ele, a garrafa e o guarda-chuva.
- Mas mulher, isso não é uísque, é rum, PQP!!
- Então pensa onde fica o inferno e é lá que te mando, e leva o guarda-chuva porque lá chove esterco sempre!
Foi a resposta de Rose.


9 de jun. de 2014

ABSOLUTO

O absoluto é um inquérito sem sentidos,
um abraço que perdeu o viço.
uma dor qualquer,
uma soma do astuto com os desiludidos.

E quando a realidade é fecunda e feroz,
até o amor entrega-se aos que não amam.
Cego, perde-se
para uma vaidade omissa e veloz.

Ah, a vida é completa quando singela.
Cabe no coração junto ao sentimento de paz.
Livre como o pássaro,
numa ermida  pintada no  céu em aquarela.

E na tempestade de tantos caminhos solitários,
é triste para o que não levou bagagem,
nem um cajado,
nem a amizade para espantar adversários.

A mão que acaricia a face do juiz impiedoso,
não apela por banalidades de carinhos.
Quer o medo,
mas  então, porque fica assim o sonho animoso?

Nada é absoluto, nada tem retornos ou partidas.
Finca-se tudo num abraço aguerrido.
Luta-se enfim
como atributo para um amor que não fez dívidas.


7 de jun. de 2014

UM MOÇO

Veja moço aviltado
Não tenho escolhas
Ou te ofendo
Ou te deixo de lado
Ofender é pedir que cresça
Deixar de lado
É ignorar
Que condição descabida
A tua agrura
Tão ferrenha tua estupidez
Vai pedir asilo
Vai chorar no peito da amada
Não me mostre esta figura decaída
Veja moço desmiolado
Que falta de discernimento
Tão apegado ao presente
Que já pertences ao futuro
Tão depressa quis crescer
Que não conheces o passado
Que perdição ignota
Desfigurado arrogante
Perdeu a razão na espera
Nos trouxas iludidos
Que te coroaram a vaidade
Tornando-te um idiota.