Roseli,
dona de casa aposentada, só porque recebe o tal mínimo no fim do mês, porque de
aposentada, a pobre não tem nem paz.
Germano,
maridão que ela trata por ‘filho’, aposentado de fato, fazia nada mesmo.
-
Rose, se vai sair compra o uísque “Fulano de Tal”, pediu Germano.
Germano,
no inverno, costumava escaldar a vontade para enfrentar o banho com o tal uísque,
e como ele era aposentado da melhor estirpe, o líquido tinha que chegar a ele e
não ele ao dito, logo, mandava comprar.
-
Filho, porque não bebe uma cachacinha? Tem aí, uísque é tão caro, tem gente bem
mais ‘graúda’ que tu, e bebe cachaça...
-
Cachaça é para bêbados, eu sou elegante, dizia Germano.
Rose
ajeita a bolsa no ombro e vai saindo.
-
Ah! E compra um guarda-chuva também.
A
cabecinha de Rosa naquele dia estava um tanto cansada, mas achou até engraçado
o pedido, coisa sem combinação, pensou ela, uísque e um guarda-chuva! Porém,
chovia, coisa normal, ele perdia todos mesmo, vá lá, outro, então.
Roseli
era da pesquisa de mercado, economista contumaz, se era para comprar algo,
tinha que haver pesquisa de preço, e não iria andar à toa, tinha que
pechinchar, houvesse ou não a compra.
Ao
cabo de uma hora de ‘leros’ e ‘que ladroeira’, ‘caloteiro’, ‘atravessador’, ela
comprou o guarda-chuva com uma diferença de 30% em relação aos outros mercados.
Começava
a chover novamente.
-
Não embrulha, já vou estrear, e se afrouxar... Me dê a nota, por favor.
Ela
se fazia autoritária.
-
Que cara de pau a minha, pesquisando preço de uísque, em que lodo me meti!!! Só
tem homens aqui nestas prateleiras de alcoólicos, meu Deus, esse cara me olha
como se eu tivesse conhecimento de marcas. Mas está um absurdo!! Por que não um
vermutezinho?
O
guarda-chuva já estava bem encharcado, mas não afrouxou; ela partiu para outra
loja.
-
Que humilhação! Aquela mulher me olha como se eu fosse uma cafetina. A mula que
é o Germano vai ouvir! Aqui é um assalto.
Duas
quadras adiante há uma loja que parecia mais discreta. A chuva havia cessado e
Rose fechou o guarda-chuva com todo amor e desvelo e pendurou no braço.
O
dito guarda-chuva não era dos menores, posto que Rose fosse tipo mignon, ficava
bem destacado em seu braço.
-
Finalmente o uísque “Fulano de Tal”, está num preço mais tragável, mas a cara
de furor uterino que aquela velha me direcionou vou cobrar do Germano, esse
desmiolado, inconsequente. Que estúpida sou!!!!
A
bem da verdade, mercados “baratuska”, como diria o Manolito – personagem das
tiras de Quino – estão sempre apinhados de gente.
Roseli
vai para a fila do caixa, já no lusco-fusco do dia, toda apressada, depois de
passar por numerosos pensamentos de pornôs cinematográficos por parte do
alheio, a pobre esquece-se de colocar a mercadoria no cestinho, enfia o litro
debaixo do braço na companhia do guarda-chuva.
Fila
engrossando, canseira, trocando de pés. Nestas alturas ela já era amante até do
empilhador de caixas do mercado, tal sua situação grotesca e posicionamento na
fila.
A
fila vai andando, un passito más, dos... E de repente, num desvão do piso ela
perde o equilíbrio e vira um pé, quase rodopia, e bem ali, na cara do mundo. Ela,
o guarda-chuva e o já maldito uísque! Numa dança desengonçada. Mas não caiu,
foi o suficiente para ser reprovada no teste de dama.
-
Além de vaca, é bêbada.
Teve
que ouvir mais isso saído da boca de uma senhora, que, diga-se de passagem,
parecia uma garrafa pet de catador de lixo, de tão reciclada.
Aquilo
para Rose foi o fim.
Pagou
e foi embora.
Seguiu
para casa em suas maldições domésticas.
-
Vou te amaldiçoar até a oitava geração, asno! Lembra quando te falei da
cachaça? Pois olha, agora a tua elegância se chama ‘chifres’, porque aquele
‘graúdo’ que bebe cachaça continua bêbado, pelo menos.
Ela
foi dormir no sótão.
Germano
ficou parado no meio da sala como um peão insignificante num tabuleiro de
xadrez. Ele, a garrafa e o guarda-chuva.
-
Mas mulher, isso não é uísque, é rum, PQP!!
-
Então pensa onde fica o inferno e é lá que te mando, e leva o guarda-chuva
porque lá chove esterco sempre!
Foi
a resposta de Rose.