Vejo
que não é nada engraçado assistir a um funeral, mas é cômico ver quando
pranteiam alguém que nem conhecem.
Aquele
cheiro de velas já queimando os fundilhos dos castiçais dá uma imensa agonia,
parece a mim que o Inferno de Dante é assim, velas queimando, pessoas que
choram de verdade, as que choram por pensar na herança e as que choram por que
não podem ver ninguém chorar.
Meu
pai faleceu há alguns anos, tomei calmante porque sou chorona. Fiquei firme,
até fiz graça, comi biscoito, tomei cafezinho. O padre começou a santifica-lo,
aí fui para a saída e fiquei de papo para o ar. Acabada a cerimonia que
santifica quem não se conhece...Então chega-se ao cemitério e lá está um
quadrado aberto para enfiar uma caixa com uma pessoa morta.
Mas
era meu pai.
Todas as pessoas se reuniram a volta da cova, uns curiosos (a maioria), o restante da
família, que achava isto obrigação. Eu me distanciei, o mais que pude fui bater
uma foto do ocaso, que ainda guardo com carinho do instante em que ele desceu à
sepultura. Mas chorei, mesmo com calmante.
Ninguém
precisava ver isto.
Não
gosto de funerais, o bom é que não irei no meu.
É
patético ficar a observar uma pessoa morta, ela não mais existe, e dizem
‘parece que está dormindo’.
E
por que tem-se que dar um beijo no morto? Acaso algo vai expressar na carne de
um defunto? Como é difícil entender a fatuidade da morte!
Tudo
fica frio.
Foi-se,
cerraram-se os olhos, e aqui, no pequeno instante vivido está tudo apagado.
Gostaria
de sentir-me na morte. Crer-me gelada, velada, beijada, afagada, santificada...
Depois abrir os olhos e dizer: ‘que nojo! Algo fede aqui, mas não sou eu’. Meu
anjo da guarda, neste momento estaria comendo biscoitos, com certeza e dizendo:
‘dane-se, te aguente na vida e na morte'!
Enquanto
pensava em mim, meu pai estava lá na horizontal, total. Ele com ele mesmo. Sei
que não sentia frio, nem fome, nem sono, nem dores, nem tristezas. Nem haveria
necessidade, todos a sua volta estavam plenos disto tudo.
Não
queria que o calmante durasse tão pouco, estava bem. Entendia com lentidão que
não o veria mais. Ali estava a prova, era defunto. Meu pranto estava seco como
o azul do céu. Ele deveria estar rindo porque eu era a chorona e não chorava.
Fiz o que pude para adiar o pranto, é tão mais verdadeiro na solidão. Mas quem
vai entender isto? Insensível, devem ter pensado, que sou. Não chora. Mas o
chorador é meu, o coração é meu, assim como o que sinto, ganho ou perco.
Ninguém é mais alguém porque chora ou não chora.
Degustei
meu funeral assim, vendo meu pai ali, com as mãos cruzadas sob um rosário. A
carne rija a alma tão suave e maleável... Tudo ali. A primeira enterra-se, a
segunda volta para casa.